NOVO MANIFESTO PELA FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES DE MAIO, E FIM DA "RESISTÊNCIA SEGUIDA DE MORTE"

segunda-feira, outubro 01, 2012

MANIFESTO PELO FIM DOS MASSACRES



por Rede 2 de Outubro

“O ser humano é descartável no Brasil / como modess usado ou bombril
Cadeia guarda o quê o sistema não quis / esconde o que a novela não diz”
Racionais MCs, “Diário de um Detento”
Em 2 de outubro de 1992, no mínimo 111 homens presos e desarmados foram brutalmente executados por mais de 300 policiais militares fortemente armados, fato nomeado historicamente como o “Massacre do Carandiru”.

Foi o maior massacre da história das penitenciárias brasileiras, só comparável aos grandes massacres indígenas e africanos do período Escravocrata e aos massacres de grandes rebeliões populares ao longo da história do país, como Palmares e Canudos. A exemplo do que ocorreu em relação às prisões, torturas e assassinatos da Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1988), também em relação ao “Massacre do Carandiru”, ocorrido em pleno regime ‘democrático’, operou-se e ainda se opera uma série de medidas para negar às vítimas e à sociedade o direito à memória, à verdade e à justiça.

Passados quase 20 anos do Massacre, os responsáveis também seguem impunes. O estado de São Paulo e o próprio Estado Brasileiro insistem em não cumprir as importantes recomendações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA relacionadas ao ocorrido (http://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm). A questão se torna ainda mais grave quando se observa que, no lugar de desmantelar as estruturas repressivas que desencadearam o massacre e responsabilizar todos os seus executores diretos ou indiretos, a estrutura repressiva segue a cada dia mais fortalecida e muitos dos responsáveis pelo Massacre têm sido absurdamente promovidos (basta verificar quem é o atual comandante da Rota)[2].

A REDE 2 DE OUTUBRO foi composta em 2011 por um conjunto de organizações, movimentos sociais e grupos culturais que partilham a percepção de que a dinâmica social que produziu o Massacre do Carandiru ainda continua vigente e segue a fomentar massacres cotidianamente.

Desde a organização do ato político-cultural em memória dos 19 anos do Massacre do Carandiru, realizado no ano passado, a REDE 2 DE OUTUBRO tem promovido reuniões, seminários, debates e outras atividades com o objetivo de denunciar e debater as origens e o significado das terríveis condições de encarceramento, do caráter seletivo do sistema penal e prisional, do uso desmedido da violência pelo Estado com evidente corte racial e de classe, entre outras questões.

O presente manifesto é fruto dessa caminhada e expõe um pouco como a REDE 2 DE OUTUBRO pensa a tão propalada questão da “segurança pública” e como pretende pautar sua atuação daqui em diante.

OS MASSACRES DE ONTEM... OS MASSACRES DE HOJE...

O Massacre do Carandiru não é fato isolado no tempo. Sucedeu e foi sucedido por milhares de massacres contínuos que, a serviço dos processos produtivos voltados aos altos lucros de alguns poucos donos do país, moeu e exterminou milhões de brasileiras e brasileiros oriund@s das camadas mais populares.

Não apenas faz parte de uma história de 512 anos de massacres contra nossa população mais pobre, como também é símbolo da infeliz convergência de duas políticas bárbaras de Estado que ainda hoje vigoram plenamente: o extermínio e o encarceramento em massa.

Em números e fatos, não é difícil dimensionar o tamanho da barbárie cometida pelo Estado brasileiro contra as camadas populares (a quem, em tese, deveria proteger) sob o argumento falso de “combate à criminalidade e à violência”. Segundo o último “Mapa da Violência 2011 – Um radiografia das mortes violentas de jovens no Brasil”, produzido pelo Instituto Sangari e divulgado pelo Ministério da Justiça (http://www.sangari.com/mapadaviolencia/mapa2011.html), entre 1981 e 2011 foram assassinadas mais de 1 milhão de pessoas em pleno Brasil “redemocratizado”. Destas, apenas entre 1998 e 2008, mais de 520 mil pessoas foram assassinadas por aqui! Uma média de cerca de 47.360 homicídios por ano, que segue crescendo ano após ano!

Para além de todas as atrocidades cometidas durante a Ditadura Civil-Militar, o povo brasileiro se viu acuado por centenas de massacres perpetrados em plena época dita democrática[3]: logo depois da promulgação da Constituição (Cidadã?) de 1988, pouco antes do Massacre do Carandiru, mães, pais, familiares e amig@s das vítimas sofreram com as Chacinas de Acari (1990) e a de Matupá (1991); depois do Massacre do Carandiru (1992), o sofrimento seguiu com as execuções ocorridas nas Chacinas da Candelária e de Vigário Geral (1993), do Alto da Bondade (1994), de Corumbiara (1995), de Eldorado dos Carajás (1996), de São Gonçalo e da Favela Naval (1997), de Alhandra e do Maracanã (1998), da Cavalaria e da Vila Prudente (1999), de Jacareí (2000), de Caraguatatuba (2001), da Castelinho, do Jd. Presidente Dutra e de Urso Branco (2002), do Amarelinho, Via Show e do Borel (2003), de Unaí, do Caju, da Praça da Sé e de Felisburgo (2004), a Chacina da Baixada Fluminense (2005), os Crimes de Maio (2006), do Complexo do Alemão (2007), do Morro da Providência (2008), de Canabrava (2009), a Chacina de Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista (2010), a Chacina da Praia Grande (2011), Massacre do Pinheirinho, de Saramandaia, os Crimes de Junho, Julho, Agosto e Setembro (2012)…

O sangue vertido em todas essas chacinas escorre da mesma classe social, da mesma cor, da mesma faixa etária: ao longo de 10 anos (1998 a 2008), a cada três assassinatos, dois foram de negr@s, em sua esmagadora jovens pobres do sexo masculino, entre 15 e 24 anos.

Esse quadro não é diferente no sistema prisional. Aquelas e aqueles que conseguem se esquivar das miras policiais acabam, muitas vezes, trancafiados e torturados, por anos a fio, em um sistema prisional extremamente violento e degradante, cada vez mais extenso e superlotado: entre 1995 e 2011, a população prisional teve crescimento de 250% contra 25% de crescimento da população em geral, segundo dados oficiais do próprio Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[4]. Em 2012, já temos mais do que 550 mil pessoas presas no Brasil. Apenas em São Paulo, nesse ano, a média é de 9.000 pessoas presas contra 6.000 que são libertas por mês, segundo dados apurados in loco, pela Pastoral Carcerária, e junto à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; ou seja: a cada mês, São Paulo abriga 3.000 pessoas a mais em seu sistema prisional.

As pessoas que povoam o sistema prisional brasileiro são parte do mesmo grupo social daquelas vitimadas no decorrer da longa História Brasileira dos Massacres: 80% da população prisional são acusad@s ou sentenciad@s por crimes contra o patrimônio ou por pequeno tráfico de drogas (quase metade ainda sem condenação); cerca de 55% estão presas por crime sem grave ameaça ou violência à pessoa; 52% estão presas por crimes sem violência ou grave ameaça; mais da metade tem menos do que 29 anos; 90% sequer completaram o ensino médio; 60% dessas pessoas são negras...

Igualmente massacradas são as famílias das vítimas da violência do Poder Público, sobretudo as mulheres, que acabam segurando as pontas da família quando o ente querido é executado e enfrentam todo tipo de sevícias praticadas por agentes estatais (como a ignóbil revista vexatória, por exemplo) para manter contato e fornecer o mínimo de subsídio a@ filh@ que é pres@.

O Massacre do Carandiru é extremamente emblemático, portanto, das duas principais dimensões, bem estreitas entre si, dos massacres que historicamente são perpetrados contra o nosso povo pobre, preto e periférico: a prisão degradante e o extermínio covarde.

OS MASSACRES DO COTIDIANO

No entanto, é necessário entender que há várias outras dimensões desses massacres históricos que, a despeito da menor intensidade de violência e de ocorrerem de modo menos ostensivo, também fazem parte da mesma engrenagem de moer, explorar e gastar nosso povo.

Tais dimensões estão contidas em um contexto de precarização da vida cotidiana na periferia por meio da negação de condições mínimas de sobrevivência e da repressão das tentativas populares de superar a completa ausência de políticas públicas sociais.

No universo da trabalhadora e do trabalhador, são incontáveis as agressões diárias a que se submetem na tentativa de garantir o mínimo de dignidade em suas vidas:

Das remotas periferias até o excludente centro da cidade de São Paulo, são muitas as horas despendidas diariamente em ônibus superlotados, em trens igualmente superlotados, lentos e sucateados (com panes constates), para enfim chegar ao posto de trabalho, em regra igualmente precário: aquelas e aqueles que superam o desemprego se submetem, no mais das vezes, a condições horríveis de trabalho (para se ter uma ideia, em 2011, foram quase 500 mortes em acidente de trabalho apenas em São Paulo![5]).

No fim do dia, horas e mais horas para retornar para casa... Casa que, por vezes, na verdade é um barraco precário e frágil, improvisado em algum terreno abandonado, em alguma beira de represa, em algum morro desocupado, sem qualquer possibilidade de acesso à mínima infraestrutura para garantir os serviços sanitários mais básicos[6].

No lugar de intervir para promover o acesso à moradia digna, para estruturar os espaços ocupados legitimamente, o Poder Público apenas aparece para expulsar violentamente as pessoas de seus lares, para tencionar as comunidades e para criminalizar os chamados “suspeitos” de toda sorte de suspeição. Às vezes em troca de um miserável “cheque-despejo” aos “invasores”, geralmente famílias migrantes de origem afro-indígena e norte-nordestina que já tinha sido expulsas de seus locais de origem; às vezes o troco é o porrete e a prisão desses “bandidos” de “cor padrão”...

Isso quando as favelas não são incendiadas criminosamente justamente em áreas que se pretende “revitalizar”...

Para piorar, a precariedade da moradia vem acompanhada da precariedade no serviço de saúde: não há médicos, não há hospitais, não há unidades básicas de saúde para dar conta da enorme demanda originada por esse ambiente de descaso.

Para piorar ainda mais, as escolas públicas são poucas, escassas, de péssima qualidade, com professor@s mal pag@s, desmotivad@s e adoecid@s, diretor@s mal preparad@s e nenhuma interação entre as atividades escolares e as necessidades da comunidade.

Faltam vagas nas creches (apenas na cidade de São Paulo estima-se oficialmente um déficit de ao menos 126.000 vagas de creches![7]) e falta qualidade naquelas existentes, cada vez mais terceirizadas a organizações privadas; falta acesso amplo e democrático a um ensino básico de qualidade e a políticas afirmativas que assegurem reparação na forma de acesso a universidades públicas com excelência no ensino, pesquisa e extensão.

Lazer, então, é utopia! Nada se estrutura na periferia para prover o mínimo de acesso a atividades esportivas e culturais. O que há é fruto do esforço das próprias comunidades, que pouco a pouco vão percebendo que só podem contar com a própria força. Ainda assim, as iniciativas populares vivem ameaçadas pelo Poder Público, sempre em prontidão para restringir ou proibir atividades culturais autônomas, como saraus, rodas de samba, bailes musicais, encontros artísticos etc.

Esse processo de abandono das periferias é casado com o processo de higienização das regiões centrais.
Se ficarmos apenas no ano de 2012, podemos contar diversos episódios reveladores de uma política espúria de expulsão dos mais pobres da região central da cidade: os incêndios na Favela do Moinho; a operação “dor e sofrimento” na Cracolândia; os incêndios nas favelas do Piolho, Humaitá, Paraisópolis, Vila Prudente, Alba, Corujão, Areião e tantas outras entre as mais de 50 intencionalmente incendiadas apenas em 2012; a proibição dos artistas de rua; a perseguição aos camelôs; a proibição do “sopão”; a proibição dos engraxates na Paulista; a “operação delegada”; a “operação espantalho”...

De operação em operação, vai se consolidando um violento processo de expulsão da população mais pobre que habita as ruas do centro e as regiões cuja valorização imobiliária aumenta e onde os interesses dos grandes projetos urbanos crescem os olhos em cima.

Essas mesmas pessoas hoje expulsas de suas casas, desprovidas de seus meios de sobrevivência, do acesso à mínima infraestrutura oferecida no centro, destituídas do acesso aos serviços mais básicos, amanhã estarão provavelmente ainda mais vulneráveis ao processo de criminalização da pobreza e, por consequência, serão alvos mais fáceis das miras e das algemas policiais.

O massacre se estende à falta de um acesso democrático à informação e à comunicação, deixando a maioria da população à mercê de monopólios comunicacionais de caráter sobretudo comercial e espetacular, muitos dos quais reproduzem e intensificam o massacre simbólico e contribuem para estigmatizar, criminalizar e justiçar midiaticamente os trabalhadores-alvos, ampliando preconceitos e o clamor punitivo generalizado.

Ganham com isso toda a indústria do medo e do pânico, nas suas mais variadas expressões: a indústria dos condomínios fechados, a indústria das armas e da segurança particular, a indústria dos seguros de vida e de proteção patrimonial, a indústria da medicina psiquiátrica e dos antidepressivos etc. As prisões em massa e as “matanças dos suspeitos” tornam-se “verdadeiros” bodes expiatórios da expiação sem fim, são aplaudidas em coro nos diversos “programas espetaculares”, até que esta apologia da violência se volte contra os que hoje seguem aplaudindo. Dissimula-se, então, surpresa e indignação, que logo se esvai diante da próxima “caçada aos bandidos” do próximo turno.

Para dar conta do problema da segurança pública hoje é preciso desvendar, correlacionar e enfrentar essas diversas dimensões dos massacres perpetrados contra as populações periféricas. A reversão desse quadro depende, sobretudo, da luta, da união, da organização e da coragem daquelas e daqueles que sofrem cotidianamente com a violência histórica, estrutural e estruturante do Estado brasileiro.


A FUNÇÃO DOS MASSACRES

A política de massacres contra a população pobre, preta e periférica é mediada por uma série de artifícios vendidos como “políticas de segurança pública”, sempre a título de “combater” a crescente violência, mas que, em verdade, está a serviço justamente da reprodução dessa violência e, no limite, da reprodução e aprofundamento das desigualdades que demarcam nossa sociedade.

Sempre que se anuncia uma nova “onda de violência” ou uma nova “crise de segurança pública”, um “aumento da (suposta) criminalidade”, responde-se quase que automaticamente com a intensificação do efetivo e do “rigor” policial. As chamadas políticas de “tolerância zero” vêm sendo importadas, recriadas e multiplicadas sob diversas novas fachadas de marketing e repaginações para dissimular a intensificação da violência, que prossegue.

De um lado, no lugar de se estruturar políticas sociais de acesso aos serviços mais básicos e de se priorizar o fortalecimento da atribuição investigativa da polícia civil (o que poderia, em tese, propiciar um aumento da responsabilização daquelas pessoas que cometem crimes de forma mais estrutural e organizada e, portanto, com maiores consequências sociais), privilegia-se o aumento do efetivo da polícia militar que, como sabemos, funciona sob a lógica do “pega ladrão”, da “prisão em flagrante”, visando sempre as pessoas mais vulneráveis – em razão de serem, e que por isso se tornam ainda mais, descartáveis para os grandes interesses econômicos. Um novo tipo de exploração é, então, gestado sob a égide do terror dentro dos presídios, o qual tende a se intensificar com os crescentes planos de privatização dos mesmos.

De outro lado, ao mesmo tempo em que se fortalece o efetivo da “polícia de rua”, fomenta-se também a perversa “lógica de guerra” da polícia militar contra as populações mais pobres, a chamada “linha-dura”, fomento que se dá por discursos autorizadores de todo tipo de arbítrio policial e de, com muita frequência, execuções extrajudiciais, sumárias. Atualiza-se assim, de forma tão perversa quão requintada, a mesma lógica da “guerra contra o inimigo interno” que imperou durante o regime ditatorial por meio da espúria Lei de Segurança Nacional.

Basta verificar as recentes falas do Governador de São Paulo, que afirmou que “não recua um milímetro”[8], pois quem reagir às ações da polícia “vai se dar mal”[9] e, após um recentíssimo caso de chacina operada pela ROTA, a escandalosa afirmação ‘consoladora’ de “quem não reagiu está vivo”[10]. O mesmo governador declarou anos atrás que "bandido tem duas opções: ou é prisão ou é caixão"[11]... O resultado tem sido uma nova intensificação de matanças recorrentes nas periferias de São Paulo ao longo dos últimos meses de julho, agosto e setembro de 2012[12].

A MILITARIZAÇÃO DE TODAS AS DIMENSÕES DA VIDA

Esse processo pertence a uma política mais ampla de militarização da gestão pública. Hoje, não apenas se expande dia-a-dia o efetivo militar, como também a própria lógica de guerra militar ocupa, cada vez mais, todos os espaços públicos.

Das 32 subprefeituras paulistanas, 31 são ocupadas por militares, os quais, a partir dessa lógica de guerra, na qual o pobre, preto e periférico é transformado em inimigo a ser neutralizado, gerenciam de maneira nada democrática os problemas das regiões em que estão circunscritos[13].

Não são apenas 31 das 32 subprefeituras de São Paulo que estão sob o comando de militares, mas uma série de outros órgãos públicos municipais e estaduais sendo administrados por gestores-militares, isso somado à proliferação dos CONSEGs, que são chamados de Conselhos Comunitários de Segurança Pública, porém na verdade foram estruturados e são comandados por quadros diretos das polícias, da secretaria de segurança pública e, no caso de São Paulo, pelas subprefeituras militarizadas[14]. Esses aparatos são cada vez mais associados ao enorme exército de segurança privada, atualmente cerca de 5 vezes maior do que o já enorme efetivo de policiais civis e militares no estado de São Paulo[15].

Essa militarização, que na presente eleição ameaça avançar ainda mais também sobre a Câmara Municipal (com a proliferação de candidatos-militares “linha-dura” a vereador)[16], apesar de fazer parte do processo de formação brasileira, é herança mais direta do entulho autoritário criado e deixado pela Ditadura Civil-Militar e acaba por ocupar diversos espaços urbanos, sobretudo as periferias.

Exemplo disso é a manutenção e o fortalecimento constante da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), nome que recebeu durante Ditadura, quando foi reorganizada para exterminar quem combatia o regime de exceção.

Hoje, capitaneada por Salvador Modesto Madia, nomeado pelo atual Governador e responsável direto por ao menos 78 execuções no Massacre do Carandiru, a ROTA é o destacamento mais letal da Polícia Militar: atuante principalmente nas periferias da cidade, é responsável por 20% das execuções cometidas pela PM, apesar de não corresponder a 0,5% do seu efetivo[17].

Mas não é apenas a Rota a responsável pelas práticas de extermínio. Trata-se de um quadro generalizado, escancarado recentemente por declarações de policiais civis, que afirmaram e descreveram assertivamente que hoje “em cada batalhão da polícia militar de São Paulo tem um grupo de extermínio”[18].

Nos fundões da cidade, cada dia mais, problemas sociais são tratados com criminalização e violência policial. A militarização da gestão pública e da sociedade fica bem visível na criminalização de movimentos sociais pela moradia, nos violentos despejos, no genocídio popular, na crescente intervenção da polícia militar em pequenos conflitos entre jovens nas escolas públicas, nos obscuros e regulares incêndios em ocupações populares, e por aí afora...

A crescente militarização em São Paulo funciona como controle e contenção de qualquer reivindicação oriunda das periferias. A militarização e os massacres têm operado em todas as dimensões da vida social e comunitária, em especial para os trabalhadores e trabalhadoras pobres e negros, consolidando-se a noção reacionária e orwelliana de que justiça seria sinônimo de repressão e punição, e a paz viria por meio de mais guerra.

Reflexo direto da política de militarização da gestão pública é o aumento exponencial da população carcerária, problema a que também se responde com solução mágica e pronta: a construção de novos presídios. Parece evidente que, no atual cenário, não há orçamento público que dê conta da construção do número de presídios necessário para acompanhar o crescimento da população carcerária.
Mais evidente ainda é que, se o que se quer é combater a criminalidade que mais causa impacto na sociedade, como as (verdadeiras) organizações criminosas, a sonegação de impostos, a corrupção, a violência dos agentes públicos, então é necessário concluir que o sistema prisional não serve a esse propósito: como se viu, a população prisional é formada, em sua imensa maioria, por pessoas que supostamente cometeram pequenos crimes contra o patrimônio e por pequen@s traficantes, em regra presas em condições de alta vulnerabilidade[19].

Não fosse suficiente o encarceramento em massa e a alta seletividade penal, aparece agora o próprio sistema prisional como alvo do interesse da iniciativa privada, sedenta por receber dinheiro público pela administração de presídios e, principalmente, por acumular altos lucros com a exploração de mão-de-obra disciplinada e barata. A privatização do sistema prisional já é anunciada pelos Governos Federal e Estaduais cada vez mais sem pudores, apesar de, como já dito, estar claramente voltada aos lucros de quem quer explorar a “atividade”...

A despeito do discurso mentiroso de combate à “criminalidade” e de “ressocialização”, os sistemas penal e prisional funcionam, na prática, para o fim de conter a pobreza, produzir a criminalidade e reproduzir e aprofundar as desigualdades geradas pela exploração dos poucos donos dos meios de produção sobre os muitos desprovidos dos meios para ao menos sobreviver.

Fortalecem essa política de massacres o sistema judiciário e a grande mídia comercial.

O Judiciário, apesar da prática reiterada e escancarada de abusos policiais, segue imbuído de seu papel histórico na sociedade brasileira de punir os pobres, ainda que presos ilegalmente, ainda que presos por condutas insignificantes, ao passo que ignora completamente as denúncias de tortura e de execuções perpetradas por policiais e tolera amplamente os crimes do colarinho branco. Nesse papel, o Judiciário contribui decisivamente para o alto grau de seletividade pena e de violência policial que presenciamos.

Não apenas no direito penal o Judiciário demonstra, cotidianamente, a sua opção pelos mais ricos. É mais do que corriqueira a prática de se privilegiar interesses particulares de grandes proprietários no lugar de atender a interesses coletivos de populações mais pobres.

Um exemplo nítido e recente dessa prática foi o Massacre do Pinheirinho, desocupação violenta de mais de 7 mil pessoas pobres ordenada pelo Tribunal de Justiça paulista em atendimento aos interesses escusos de um notório milionário especulador e mafioso, envolvido com todo tipo de maracutaias[20].

A mídia é igualmente decisiva na reprodução dessa lógica bárbara de massacres contra a população pobre, preta e periférica. De maneira falsamente neutra, o que vemos na televisão são justiçamentos midiáticos das camadas mais populares, reproduzindo e ajudando a forjar a ideologia dominante de exclusão e massacre dessa parcela da população[21].

Não é ao acaso que se executa e se prende em massa aquelas e aqueles que menos têm acesso aos serviços públicos mais básicos. Não é à toa que as várias dimensões dos massacres atingem a mesma população pobre, preta e periférica, ainda que em graus diferentes. Não é gratuitamente que Judiciário e Mídia tentam, invariavelmente, justificar e legitimar todos esses massacres contra o povo.

Todo esse aparato está a serviço da exploração de poucos sobre muit@s e da reprodução e do aprofundamento constante da desigualdade produzida por essa exploração.

A luta contra o encarceramento em massa e contra os extermínios, portanto, é a mesma luta daquelas e daqueles que sofrem com o transporte público precário, com o serviço de saúde falido, com o sistema de ensino desestruturado, com a moradia escassa e para poucos, contra o desemprego, contra as condições degradantes de trabalho, contra a repressão às tentativas autônomas de sobrevivência...

Tod@s estamos no mesmo lado da corda que é puxada com violência por esse conjunto de “políticas de segurança pública” que está a serviço dos poucos que se beneficiam de toda essa violência: os donos do poder, os donos das terras, dos latifúndios, dos meios de produção.

A luta d@s explorad@s é uma só!

PELO FIM DOS MASSACRES

A luta pelo fim dos massacres, como se vê, é marcada pelo enfrentamento de interesses poderosos e só pode ser levada à frente na medida em que as periferias, as quebradas, se levantarem e unirem forças para superar aqueles que as oprimem.
A REDE 2 DE OUTUBRO, que passa a marcar o dia 2 de Outubro como o “Dia Pelo Fim dos Massacres”, quer somar e engrossar as fileiras dessa luta e reivindica, nesse momento histórico de resgate dos 20 anos de memória do Massacre do Carandiru, a sua Memória, buscando atualizá-la em nome da Verdade, na Luta Presente por Justiça.

Para aqueles que também possam nos questionar sobre “afinal, quais são as propostas”, finalizamos o presente manifesto com um abecedário inteiro de propostas concretas que, dentre muitas outras, acreditamos que tanto podem como deveriam ser adotadas de imediato, como certamente permanecerão em nosso horizonte cotidiano de resistência:

A – Que seja assegurado plenamente o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça de todas as, no mínimo, 111 vítimas oficiais do Massacre do Carandiru e seus familiares; que se Respeite, se Repare (física, material e psiquicamente), se dê Assistência, e se Fortaleça a caminhada de familiares de vítimas da violência estatal e de pessoas presas, verdadeiros sujeitos diretos da transformação desse quadro de violência estrutural;

B – Que sejam cumpridas em sua plenitude, pelo estado de São Paulo e pela República Federativa do Brasil, no mínimo as próprias recomendações estabelecidas em 3 de março do ano 2000 ao país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA referentes ao Massacre do Carandiru, todas elas ainda por serem cumpridas. Quais sejam:
“A Comissão de Direitos Humanos recomenda à República Federativa do Brasil o seguinte:
1. Realizar uma investigação completa, imparcial e efetiva a fim de identificar e processar as autoridades e funcionários responsáveis pelas violações dos direitos humanos assinaladas nas conclusões deste relatório.
2. Adotar as medidas necessárias para que as vítimas dessas violações que foram identificadas e suas famílias recebam adequada e oportuna indenização pelas violações definidas nas conclusões deste relatório, assim como para que sejam identificadas as demais vítimas.
3. Desenvolver políticas e estratégias destinadas a descongestionar a população das casas de detenção, estabelecer programas de reabilitação e reinserção social acordes com as normas nacionais e internacionais e prevenir surtos de violência nesses estabelecimentos. Desenvolver, ademais, para o pessoal carcerário e policial, políticas, estratégias e treinamento especial orientados para a negociação e a solução pacífica de conflitos, assim como técnicas de reinstauração da ordem que permitam a subjugação de eventuais motins com o mínimo de risco para a vida e a integridade pessoal dos internos e das forças policiais.
4. Adotar as medidas necessárias para o cumprimento, no presente caso, das disposições do artigo 28 da Convenção (Cláusula federal) relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, neste caso o Estado de São Paulo. ” (http://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm);

C – À luz da situação referente ao Massacre do Carandiru na esfera internacional e federal (esfera perante a qual pedimos novo parecer), reforçamos aqui o pedido por um parecer definitivo da Presidência da República também sobre o Pedido de Deslocamento de Competência, a Federalização das Investigações dos Crimes de Maio de 2006, outro caso extremamente emblemático desta era dos massacres. Naquela ocasião dos Crimes de Maio de 2006, foram mais de 500 mortes no curto período de cerca de 1 semana – mais pessoas assassinadas do que os já terríveis números de mortos e desaparecidos dos 20 anos de Ditadura Civil-Militar brasileira, no entanto praticamente TODOS os casos, tanto  de 1992 como de 2006, seguem emperrados ou arquivados.;

D – Pedimos, em caráter emergencial, o acompanhamento político e jurídico por parte da Esfera Federal (Presidência, Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Justiça, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal e CNJ) da atual “Crise de Segurança Pública no estado de São Paulo”, que já vitimou mais de 250 pessoas ao longo destes últimos três meses – cujas raízes históricas, a nosso ver, remontam às mesmas práticas que provocaram o Massacre do Carandiru há 20 anos. Todas as principais esferas executivas e jurídicas do estado de São Paulo têm demonstrado, recorrentemente, desde o Massacre do Carandiru (1992), a Chacina da Castelinho (2002), e os Crimes de Maio de 2006, sua incapacidade de lidar com crises de segurança pública como, novamente, esta agora de 2012, a exemplo do que já tinha ocorrido em abril de 2010, dentre outros momentos.

E – Nesse mesmo sentido, queremos também um encaminhamento efetivo no sentido de abolir definitivamente os registros de “Resistência Seguida de Morte”, “Auto de Resistência” e afins em todo país – essa verdadeira “licença para matar” inconstitucional usada a torto e a direito por policiais assassinos em todo país. Conforme já estava previsto no Programa Nacional de Direitos Humanos-3, é preciso urgentemente se abolir o artigo 329 do Código Penal e melhorar profundamente o artigo 292 do CP. A exemplo de qualquer outro cidadão brasileiro, a investigação de todas as mortes violentas provocadas por agentes do Estado deve ser tratada como casos de homicídios (dolosos ou culposos). Há nesse exato momento um Projeto de Lei nº 4471-2012 apresentado recentemente trespor 4 Deputados Federais que pode caminhar nesse sentido durante sua tramitação no Congresso Nacional. Que se avance!

F – Ainda sobre essa temática da letalidade policial e seus desdobramentos jurídicos, também em caráter imediato e urgente, pedimos que o CNJ passe a acompanhar, junto às Defensorias Públicas Federal e Estadual, os casos emblemáticos de mortes violentas relacionadas aos seguintes períodos: Massacre do Carandiru (1992); dos Crimes de Maio de 2006; Crimes de Abril de 2010; a Matança de MCs na Baixada Santista; e os Crimes de Junho a Agosto de 2012 no estado de São Paulo, posto que o Executivo Estadual, o MP Estadual e o próprio Judiciário Paulista  seguem se omitindo;

G - Para além da situação em São Paulo, é preciso a urgente Efetivação e Fortalecimento de todas as Defensorias Públicas Estaduais – sobretudo os casos de Santa Catarina e Goiás, bem como o Fortalecimento e Maior Atuação Estadual da Defensoria Pública Federal nos estados, incluindo São Paulo;

H – Ainda mais do que essas medidas imediatas, dentro do quadro atual, propomos que sejam criados mecanismos efetivamente democráticos e populares para a participação de fato das pessoas presas, de seus familiares e das comunidades periféricas, alvos preferenciais do poder policial, penal e punitivo, na elaboração da legislação penal, que tanto nos causa impacto – como, por exemplo, o Novo Código Penal;

I – Que se assegure o devido Julgamento e as devidas Responsabilizações também de oficiais superiores, superiores hierárquicos, autoridades da segurança pública e do sistema prisional, responsáveis pelos agentes do Estado que cometeram ou cometem abusos, tortura e execuções extrajudiciais e/ou sumárias;
J - É preciso se criar urgentemente uma Política Nacional voltada para os Familiares de Vítimas da Violência do Estado. Uma Política que aponte diretrizes de Amparo, Proteção, Assistência Psico-Social, Reparação (Material e Psíquica) e Indenização a todos os Familiares Diretos que são Vítimas Colaterais e Conexas da Violência do Estado;

K - Também é preciso a Efetivação Real do Controle Externo da formação e da atividade policial, bem como da formação e atividade dos exércitos de Seguranças Privadas, pelo Ministério Público, e por Ouvidorias e Corregedorias Policiais externas, com participação e controle efetivo da população. Vale registrar bem registrado aqui que não somos apenas nós quem estamos exigindo isso: trata-se de uma Recomendação Pactuada em Nível Federal, para todas as instituições e instâncias do Pacto Federativo, conforme o Plano Nacional de Direitos Humanos – 3 (PNDH-) (Pág. 123 – http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf ):
“Criar ouvidoria de polícia com independência para exercer controle externo das atividades das Polícias Federais e da Força Nacional de Segurança Pública, coordenada por um ouvidor com mandato.
Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
Recomendação: Recomenda-se aos estados e ao Distrito Federal a criação, com marco normativo próprio, de ouvidorias de polícia autônomas e independentes, comandadas por ouvidores com mandato e escolhidos com participação da sociedade civil, com poder de requisição de documentos e livre acesso às unidades policiais, e dotadas de recursos humanos e materiais necessários ao seu funcionamento”.
Tais medidas devem ter correlatas, tanto para Ouvidoria como para Controle e Corregedoria Externas e Autônomas, no que se refere à atuação do exército de segurança privada, atualmente 5 vezes maior do que o exército oficial de policiais, sobre cuja atuação não há qualquer trabalho de ouvidoria e controle externo popular efetivo.

L – No estado de São Paulo, é necessária a implantação urgente do Mecanismo Estadual de Combate à Tortura dentro das unidades prisionais, conforme determinações já estabelecidas em âmbito Federal e também Estadual, perante as quais o estado de São Paulo segue atrás de outros como o Rio de Janeiro e Ceará, que já implantaram os mecanismos, ora em pleno exercício;

M – Na mesma linha, é preciso Ampliar e Fortalecer os espaços, efetivamente democráticos e populares, com poder deliberativo, para aumentar o acompanhamento, fiscalização, transparência e controle da população em relação à atuação do Ministério Público, Desembargadores e Juízes;

N – Revisão dos critérios, divulgação e informação para formação do chamado “ Júri Popular”, de modo que represente efetivamente a sociedade (que em sua maioria é mulher, pobre e não branca), e seja corretamente informado e motivado;

O – Contra a proibição de familiares e amigos de vítimas comparecerem com roupas com símbolos e fotos nas sessões de julgamento de agentes do Estado violadores de direitos humanos;

P – Contra as decisões judiciais que concedem liberdade a agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos, quando tal liberação significar ameaça e intimidação a familiares, testemunhas, movimentos sociais e defensores dos direitos humanos;

Q – Contra as decisões judiciais de adiamento de julgamentos de agentes do Estado acusados de violações de direitos, por alegações fúteis ou duvidosas como problemas de saúde de advogados dos réus;

R - Condenação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e outros semelhantes, vigentes no sistema prisional brasileiro (com destaque especial para o estado de São Paulo), como contrários à dignidade e aos direitos humanos e como forma de tortura;

S - Respeito à integridade física d@s pres@s e de suas famílias (sobretudo na decisão sobre transferências e nas visitas), e aplicação efetiva de todos os direitos assegurados a@s pres@s pela Lei de Execuções Penais. Nesse mesmo sentido, reivindicamos o fim das Revistas Vexatórias e a garantia dos Direitos Políticos dos presos e presas (como o direito ao voto);

T - Ampla vistoria pelo Judiciário dos abusos ocorridos em todo sistema prisional brasileiro (incluindo as verdadeiras prisões de menores, crianças e adolescentes) e aceleração da soltura das milhares de pessoas que já cumpriram suas penas e/ou poderiam ser beneficiadas tendo-as reduzidas e ruptura com o processo recente de encarceramento em massa e privatização dos presídios públicos (tanto as medidas estaduais, como os planos de incentivo federais); Criação de Comissões Especiais no Judiciário que aprofunde medidas efetivas para diminuir as violências específicas, dentro das instituições totais estatais, contra Mulheres, Negros, LGBTTs, Indígenas, Ciganos;

U - Acompanhamento mais ativo pelo Poder Judiciário do cumprimento do Estatuto da Criança e Adolescentes integralmente, em especial para crianças e adolescentes cumprindo as medidas chamadas de “sócio-educativas”, as quais na prática tem sido de “privação de liberdade” e repressão intensiva; fim da Fundação Casa (SP), devido à persistência reiterada de casos e situações de tortura e violações graves dos direitos humanos das crianças e adolescentes ali reclusos;

W - Condenação e proibição das chamadas “Operações Saturação” como as ocorridas recentemente nas comunidades de Paraisópolis, Heliópolis e, atualmente, na chamada “Cracolândia” em São Paulo-SP;

X - Desmilitarização total da Gestão Pública (a começar pelas Subprefeituras e pelos cargos legislativos, em todos os níveis), dos Conselhos de Segurança Comunitária (Consegs) e da própria Polícia Militar; Lembrando que tal proposta não é encampada apenas por nós, mas se trata de um cenário que tem preocupado crescentemente a opinião pública e diversos órgãos especializados em Direitos Humanos (não apenas brasileiros, mas também diversas entidades mundo afora). Tendo em vista tudo isso, recentemente, multiplicaram-se no noticiário internacional demonstrações contundentes de preocupação por parte desses órgãos em relação ao Brasil: o recém-lançado “Estudo Global sobre Homicídios – 2011” (http://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/statistics/crime/global-study-on-homicide-2011.html), realizado pelo Departamento de Drogas e Crimes da ONU (UNODC) confirma que, dentre as 207 nações pesquisadas, o país apresenta o maior número absoluto de homicídios anuais: 43.909, em 2009 – sendo que já passou de 47.000 em 2011; a Anistia Internacional voltou a denunciar, em seu relatório anual de 2012, a violência e “o abuso policial como um dos problemas mais crônicos do país” (http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/05/anistia-internacional-volta-denunciar-violencia-policial-no-pais.html); até o Departamento de Estado Norte-Americano, na sequência, afirmou que “a violência policial mancha os Direitos Humanos no Brasil” (http://m.estadao.com.br/noticias/nacional,abuso-policial-mancha-direitos-humanos-no-brasil-dizem-eua,877472.htm); e, ainda mais recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou explicitamente que o Brasil trate de “combater a atividade dos ‘esquadrões da morte’ e que trabalhe para suprimir a Polícia Militar, acusada de numerosas execuções extrajudiciais” (http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2012/05/30/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.htm).
Nas últimas semanas, por conta de nova onda de violência policial no estado de São Paulo, voltou-se a falar na opinião pública desta questão, e a Rede Nacional de Familiares e Amigos de Vítimas, junto à REDE 2 DE OUTUBRO, construiu uma petição pública  “PELA  DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS NO BRASIL”, petição que já conta com quase 5.000 assinaturas: http://www.avaaz.org/po/petition/Desmilitarizacao_das_Policias_do_Brasil ;

Y - Nós requeremos também à Presidência da República e ao Ministério da Justiça os primeiros encaminhamentos para a “Criação de uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça para as vítimas de agentes do estado durante o período democrático”. Como já vimos, no Brasil, ao longo dos últimos anos, têm morrido assassinadas cerca de 48.000 pessoas anualmente, segundo estudos recentes publicados pela ONU e divulgados pelo próprio Ministério da Justiça Brasileiro. Boa parte dessas mortes e desaparecimentos é cometida por agentes do estado em pleno cumprimento de suas obrigações, as quais deveriam ser garantir o direito à vida e à liberdade de ir e vir em paz de todos os cidadãos. A exemplo dos esforços recentes que têm sido feitos sobre a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1988),  em especial pela Comissão Nacional da Memória e da Verdade, é preciso se avançar no Direito à Memória, à Verdade e à Justiça das vítimas do período democrático (também conforme recomendação do PNDH-3);

Z – Por fim, exigimos também a Criação de uma Comissão da Anistia para os Presos, Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos por agentes do estado durante o período democrático. A exemplo do que foi instituído, no âmbito do Ministério da Justiça, em relação aos familiares e vítimas da Ditadura Civil-Militar, é preciso se avançar no mesmo sentido quanto aos Presos, Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos da Democracia. Além das taxas de homicídio de países em guerra, temos atualmente no Brasil mais de 540 Mil pessoas presas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Há ainda inúmeras pessoas perseguidas políticas, ameaçadas de morte ou mesmo desaparecidas – como o nosso companheiro Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos dos Crimes de Maio de 2006 que exatamente hoje estaria completando 30 anos de idade. Os (no mínimo) 111 mortos durante o Massacre do Carandiru são vitimas de um massacre político, crime de lesa-humanidade perante o qual o Estado deve ser responsabilizado moral, jurídica e politicamente. O estado precisa assegurar o Direito à Verdade e à Justiça para todos esses cidadãos e seus familiares.

Mais importante de tudo: que essa série de propostas concretas visando à preservação da vida, junto ao direito à memória, à verdade e à justiça, bem como uma nova forma de sociabilidade totalmente igualitária, desmilitarizada, abolicionista, pacífica e plenamente livre...que todas e cada uma dessas propostas de curto e médio prazo sejam conquistadas por meio da organização e da luta autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras!


São Paulo, 2 de Outubro de 2012              
REDE 2 DE OUTUBRO – PELO FIM DOS MASSACRES

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