NOVO MANIFESTO PELA FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES DE MAIO, E FIM DA "RESISTÊNCIA SEGUIDA DE MORTE"

segunda-feira, março 28, 2011

A FAVOR DA VIDA


O GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DE SÃO PAULO, indignado, tomou conhecimento pelo jornal Folha de São Paulo de 25.3, pág. C-1, de um relatório produzido pela Polícia Civil no ano passado que coloca 50 policiais militares como suspeitos de 150 assassinatos entre 2006 e 2010, além de deixar 54 pessoas feridas.

Isso demonstra, caso se comprove, que não houve controle do governo do Estado sobre as polícias, muito menos qualquer respeito pela vida, o primeiro dos direitos do Homem e de todos os seres vivos.

Segundo o relatório apresentado pelo jornal, 39% desses crimes, que tiraram filhos de suas mães e levaram desespero e sofrimento às famílias não tiveram motivo algum, o que demonstra profunda ausência de sentimentos, do sentido de compaixão e de humanidade. Outros 20% foram praticados por vingança, 13% por abuso de autoridade, 13% como “limpeza de maus elementos”, 10% por cobrança do tráfico de drogas e 5% por controle de jogos de azar. São crimes sobre crimes.

Exigimos do governador Geraldo Alckmin, das autoridades de Segurança e de Justiça do Estado. e também do comando da Polícia Militar que prestem conta sobre esses casos ao povo de São Paulo e tomem providências imediatas na apuração e veracidade dos crimes relatados. É inaceitável a possibilidade de que agentes do Estado pagos pela população para protegê-la atuem como seus algozes, transformando cidadãos em seus alvos, seus reféns e suas vítimas fatais. Trata-se de desrespeito ao Estado de Direito, pelo qual tanto lutamos.

É o momento de as entidades defensoras dos Direitos Humanos demonstrarem sua indignação contra essa afronta à vida humana. Esse é o preço que a sociedade, principalmente sua parte mais pobre e vulnerável, paga pela impunidade de agentes do Estado que contam com esta impunidade. Sabemos que as autoridades de segurança têm tomado medidas no sentido de coibir os excessos, mas o conteúdo do relatório publicado pela imprensa mostra que isso é insuficiente.

Rose Nogueira
Presidente

São Paulo, 25 de março de 2011

PELA VIDA, PELA PAZ,

TORTURA NUNCA MAIS!

NA LUTA CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS.

sexta-feira, março 25, 2011

Relatório atribui a PMs 150 assassinatos




Polícia Civil aponta dois grupos de extermínio na capital paulista; acusados negam envolvimento nos crimes

Abuso de autoridade, vingança, tráfico, jogo ilegal e até "limpeza" são motivadores das mortes, diz documento

Apu Gomes-13.mai.2010/Folhapress
Elza dos Santos, mãe de moto boy morto por PMs da zona norte, chora durante ato de ONGs em maio de 2010, em São Paulo

ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO

Relatório da Polícia Civil paulista aponta grupos de extermínio formados por PMs como responsáveis pelo assassinato de 150 pessoas na capital entre 2006 e 2010.

Entre as vítimas, 61% não tinham antecedentes criminais. Outras 54 pessoas foram feridas em atentados em que PMs são suspeitos -69% sem passagem pela polícia.

O relatório foi produzido no ano passado e aponta motivações para os assassinatos: 20% por vingança; 13% por abuso de autoridade; 13% pelo que o relatório chama de "limpeza" (assassinato de viciados em drogas, por exemplo); 10% por cobranças ligadas ao tráfico e 5% por cobranças de jogo ilegal; 39% sem razão aparente.

Alguns PMs da lista estão presos. Eles negam os crimes. O Comando-Geral da corporação não se manifestou nem informou exatamente quantos homens já puniu.

A investigação, a cargo do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), aponta dois grupos de extermínio de PMs: um da zona norte, outro da zona leste.

Cerca de 50 PMs são suspeitos de formar e unir os grupos para assumir o controle do tráfico de drogas e explorar jogos de azar.

O grupo da zona norte é conhecido como "Matadores do 18", pois os acusados atuavam no 18º Batalhão. Esses PMs são suspeitos da morte, em 2008, do coronel José Hermínio Rodrigues, comandante da PM na área.

Pascoal dos Santos Lima e Lelces André Pires de Moraes são apontados como membros do grupo. Eles sempre negaram as acusações. Ontem, seus advogados não foram localizados pela Folha.

Preso em 2010, Valdez Gonçalves dos Santos, do 21º Batalhão, é considerado o chefe do grupo na zona leste.

Celso Machado Vendramini, advogado de Santos, diz que "ele não integra grupo de extermínio" e que "as acusações contra seu cliente não passam de pura maldade por parte do departamento de homicídios". Santos será julgado em maio deste ano.

Doze mortes atribuídas ao grupo de extermínio "Os Highlanders", que decapitava as vítimas, não estão no relatório. Esse terceiro grupo jogava os corpos em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, segundo investigações. O relatório da Polícia Civil computou só mortes na capital.


ANÁLISE

Eficácia do controle de policiais é fundamental para democracia

JACQUELINE SINHORETTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A eficácia do controle dos policiais é um indicador da qualidade da democracia.

Em qualquer Estado, esse controle é fundamental para a liberdade e para que a força armada não use seu poder de fogo na busca de objetivos privados que aniquilam a garantia de vida dos cidadãos.

Nos anos 80, no Brasil, parte importante dos políticos, da mídia e dos formadores de opinião passou a defender ações letais da polícia para conter as taxas crescentes de crimes patrimoniais.

O remédio para restaurar a ordem propunha ignorar ou deixar de lado as leis e permitir a setores policiais máxima liberdade de ação. Reforçava-se a ideia absurda de que as leis e controles institucionais "atrapalham" a polícia.
Governos resultantes da democracia eleitoral estável no país procuraram exercer o controle das atividades policiais e se depararam com a fraqueza e a inoperância dos mecanismos internos.

Avanços vieram, em grande medida, por esforços de profissionalização de grupos dentro das próprias corporações. Visões diferentes sobre como atuar no controle do crime foram sendo incorporadas por policiais com níveis de escolaridade e formação profissional crescentes.

O caminho ainda é árduo e incerto, pois a discussão sobre a reforma das polícias e a construção do controle democrático de suas ações ainda esbarra no argumento de que só uma polícia criminosa poderia controlar o crime.

JACQUELINE SINHORETTO é professora da UFSCar e pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC)


DEPOIMENTO

"Não passava por minha cabeça existir bandido usando farda"

DE SÃO PAULO

Filho de Elza Pinheiro dos Santos, o motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30, foi torturado num quartel e morto por PMs em abril de 2010, segundo investigações. Leia depoimento dado ao repórter André Caramante:
"Minha dor hoje é maior. Me sinto com o coração mais despedaçado do que no primeiro dia. Porque só hoje vejo que ele não vai mais voltar.

Sou mãe de três filhos. Foi uma decepção saber que quem torturou meu caçula até a morte foi alguém que o povo paga do próprio bolso.

As coisas têm de mudar. Não podemos pagar por esse tipo de serviço. A população aprende a ter medo de bandido. Nunca passou pela minha cabeça existir bandido de farda. O Eduardo era pai de uma menina que está prestes a fazer três aninhos.

Após a morte do meu filho, recebi carta do comandante-geral da PM, o coronel Álvaro Batista Camilo. Vejo a carta como a posição de um chefe de família. Um chefe tem as suas responsabilidades. Mas não é isso o que ele espera dos seus subordinados. O comandante Camilo é um homem cristão. Essa carta trouxe para mim, de certa forma, um certo alívio. Como quem diz "nem tudo está perdido".

Apesar de minha tristeza ter aumentado, minha esperança não morreu. Confio em Deus e continuo acreditando nas autoridades. Penso que o crime não vai ficar impune.

O fato de todos os PMs estarem soltos é uma falha da Justiça. Quem cometeu o crime não podia estar solto.
Não sei quem foi exatamente que fez isso. Sei que foram 12. Quem realmente torturou meu filho eu não sei.
Espero que a Justiça me dê a resposta. E digo mais: eles estão perdoados. Esse é um exercício diário do meu coração. Não vou deixar meu coração ser contaminado com o sentimento de falta de perdão, de desejo de vingança.

quarta-feira, março 23, 2011

Solidariedade à Favela Esperança, na Z/S de São Paulo

Um Salve das Mães de Maio às moradoras e moradores da Favela Esperança, no extremo sul de São Paulo. Vítimas, como nós, da criminalização da população pobre levada a cabo pelo Estado capitalista.

PERIFERIA É PERIFERIA EM QUALQUER LUGAR!

SEGUIMOS ATENTAS!

MÃES DE MAIO


Moradores da Favela Esperança, na Vila Joaniza, se mobilizam para exigir o fim dos despejos e a canalização do Zavuvus em prol da comunidade

Canalização, Sim! Despejos, Não!

Cerca de 200 moradores da Favela Esperança, na Vila Joaniza, seguem mobilizados reivindicando a interrupção imediata das centenas de despejos que começaram a ocorrer de forma totalmente abusiva em sua comunidade. Eles exigem também que a canalização do córrego Zavuvus – uma bandeira antiga do bairro – seja feita sem a remoção dos moradores históricos da região. Desta maneira, no início desta quarta-feira, eles decidiram caminhar em marcha rumo à subprefeitura da Cidade Ademar para fazer tais reivindicações diretamente ao subprefeito, Carlos Roberto Albertim, e seu corpo de burocratas.

Depois de uma longa caminhada pela Avenida Yervant Kissajikian, o conjunto dos moradores foi recebido pelo subprefeito e seus assessores em um auditório improvisado. A negociação, no entanto, não avançou em nada, sobretudo pela intransigência dos gestores, os quais inclusive se recusaram a assinar sequer uma ata da reunião – reconhecendo que seguirão fazendo os despejos da mesma maneira, oferecendo os mesmos R$ 400,00 de bolsa-aluguel (vulgo “cheque-despejo”), sem qualquer outra garantia palpável de solução definitiva para as famílias.Revoltados com a postura do subprefeito e seus assessores, que segundo muitos moradores foram bastante desrespeitosos ao longo da “reunião”, e sem qualquer alternativa digna para o futuro de suas famílias, ao sair da subprefeitura os manifestantes resolveram voltar em marcha para a favela, não sem antes travar por alguns minutos a Avenida Yervant para chamar a atenção da sociedade sobre o tipo de tratamento que a população pobre vem recebendo do tal “poder público”


História da região

A Vila Joaniza é um bairro antigo do extremo sudeste de São Paulo, na região da Cidade Ademar. Um bairro grande e desigual, que inclui tanto áreas um pouco mais endinheiradas, quanto algumas regiões bem pobres, porém todas ocupadas há muito tempo. A Favela Esperança, que fica na Joaniza, também tem mais de 40 anos de existência, quando os primeiros moradores da comunidade começaram a se estabelecer por ali. De lá pra cá, foram décadas e décadas de muita luta cotidiana, fora do horário de serviço e nos finais de semana, para transformar os primeiros barracos em casinhas melhor estruturadas (com encanamento, de alvenaria, com várias lajes…); para ir aprimorando a infra-estrutura do bairro (asfaltamento de ruas, água e esgoto, creche, posto de saúde, transporte etc); e assim fortalecendo os laços comunitários. Tudo conquistado sempre com muita luta de cada família, e da comunidade como um todo.

Nas últimas semanas, por conta do famigerado “Programa Mananciais” e da aceleração dos interesses imobiliários e especulativos nos arredores da favela, centenas de moradores antigos da comunidade estão sendo ameaçados e forçados a deixarem suas casas a toque de caixa, abrindo mão de direitos conquistados ao longo de tanto tempo. O argumento utilizado pelos gestores e pelos funcionários das construtoras tem sido, mais uma vez, a “urgência” da canalização do córrego Zavuvus – uma reivindicação histórica da própria comunidade – que estaria colocando em risco os moradores e seu meio ambiente. Assim, utilizam os velhos argumentos do “risco”, da “defesa do meio ambiente” e da “necessidade de melhorar a infra-estrutura do bairro”, além da própria comoção gerada pelo afogamento de duas crianças no início do ano, para justificar a urgência que eles têm por seus lucros empresariais e especulativos. Ao invés de atender de maneira decente a histórica reivindicação pela canalização do córrego Zavuvus em prol da comunidade, estão tentando fazer acreditar que a favela é o obstáculo no meio do caminho, ameaçando-a, e assim tentando justificar a expulsão de centenas de famílias para vá-lá-saber aonde. Um pouco desta história foi registrada neste vídeo aqui .

Resistência na Comunidade

Frente a todos esses absurdos, a comunidade da Favela Esperança está consciente de seus direitos e disposta a resistir! Mesmo depois de uma série de ameaças e intimidações por parte das assistentes sociais e de outros funcionários da Prefeitura, reafirmam que a proposta que lhes está sendo apresentada, o auxílio-aluguel de 400 reais, não é uma alternativa aceitável. Ao contrário, exigem que seja feita a canalização do Córrego Zavuvus sem a remoção dos moradores, muitos dos quais residem na comunidade há 30 ou mesmo 40 anos. Por isso decidiram fazer esta primeira marcha até a subprefeitura da Cidade Ademar, protestando contra os despejos que estão ocorrendo na comunidade.

Para os moradores da Favela está claro que não é possível tolerar tantos absurdos assim, afinal é sabido ser possível interromper os despejos e fazer a canalização mantendo as famílias na mesma região que elas cresceram e ajudaram a construir com muita luta, tendo direito a usufruir de todas suas melhorias. Aliás, como já foi feito em outras áreas próximas do mesmo córrego, justamente onde ele tem uma vizinhança mais endinheirada. Por que será que a favela e o povo mais pobre tem que sempre ser tratado da pior maneira possível?

A comunidade garante que permanecerá mobilizada e não tolerará mais este tipo de absurdo. Segue fortalecendo sua organização autônoma e gritando para aqueles que se consideram “poderosos”:

A FAVELA ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE!

CANALIZAÇÃO SIM, DESPEJOS NÃO!

VILA JOANIZA LUTA!


VEJA ABAIXO AS REIVINDICAÇÕES DOS MORADORES:

São Paulo, 23 de março de 2011

Ao Subprefeito da Cidade Ademar,

Nós, moradores da Favela Esperança, na Vila Joaniza, declaramos que auxílio-aluguel de 400 reais não é política habitacional, e reivindicamos: 1) Paralisação imediata dos despejos que estão em curso em nossa comunidade. Basta de assédios, ameaças e outras formas de violência contra os moradores e as moradoras da Favela Esperança; 2) Que seja feita a canalização do Córrego Zavuvus sem a remoção das famílias que residem próximas a ele, como ocorreu perto do Colégio 24 de março e de outros lugares de nossa região.Só aceitaremos remoções pontuais caso seja apresentada às famílias em questão uma real alternativa habitacional – ou seja, caso a família deixe sua casa já com a chave de sua nova casa própria -, e caso essas famílias estejam de acordo. Fora isso, admitiremos apenas remoções temporárias, combinadas contratualmente, durante o tempo de realização das obras.

Solicitamos que estas reivindicações sejam encaminhadas aos demais órgãos competentes, como a Secretaria Municipal de Habitação e o Programa Mananciais, e que nos seja apresentada a resposta sobre o segundo ponto da reivindicação em nova reunião a ser realizada num prazo de 15 dias.

Moradores e Moradoras da Favela Esperança, Vila Joaniza

quarta-feira, março 16, 2011

ECOS DA ESCRAVIDÃO (matéria da Carta Capital)


A foto “Todos Negros” foi tirada pelo fotógrafo Luiz Mourier em 1982, no Rio de Janeiro. http://ahistoriabemnafoto05.blogspot.com/2007/09/depoimento-5.html


Confiram abaixo um bom artigo publicado na última edição da revista Carta Capital, enviado para nós pelos companheiros da Rede Contra Violência-RJ.

Trata-se de uma boa análise, porém os números das execuções são ainda duvidosos (subestimados), tendo em vista declarações contundentes recentes, em audiências
públicas e outros espaços, vindas de profissionais dos IMLs. Segundo eles estaria havendo espécies de controle e monitoramento nos IMLs por parte de agentes diretos ou indiretos do estado.

Muitos peritos lutam pela independência para acabar com a impunidade, e este ponto está previsto no PNDH3, a independência dos IMLs... Sabemos que várias execuções não são contabilizadas, sob diversas maneiras de ocultação de cadáveres.

Além disso, como alertam os companheiros da Rede: o cotidiano das favelas "apaziguadas" pelas UPPs não ponta este modelo como solução dos problemas, muito ao contrário.

Boa leitura do texto!

ESTE É O EXTERMÍNIO DA POBREZA !!!!!!!!!

NASCER POBRE PARA O CAPITALISMO É CRIME !!!!!

AS CHIBATAS SE TRANSFORMARAM EM BALAS DE REVÓLVER !!!!

MÃES DE MAIO


Eis a mensagem enviada pelos companheiros da Rede Contra Violência-RJ:

Bom artigo baseado em dados recentes, em particular o Mapa da Violência de 2011. Mas erra ao citar as UPPs como exemplo de política que diminuiria o conflito entre o aparato policial e a população negra.


Ecos da escravidão

Nunca o fosso entre a segurança de brancos e negros foi tão grande. Enquanto o número de assassinatos de uns cai, o dos outros segue em alta. Por Cynara Menezes. Foto: Reprodução
No anúncio de tevê feito para atrair turistas pelo governo da Bahia, o menino dizia que, quando crescesse, queria ser capoeirista como o pai. Por volta das 10 da noite de 21 de novembro do ano passado, Mestre Ninha, pai de Joel da Conceição Castro, chamou os filhos para dentro de casa, no instante em que a polícia fazia uma incursão pelo bairro onde mora a família, Nordeste de Amaralina, um dos mais violentos de Salvador. Segundos depois, o garoto foi atingido por uma bala perdida e morreu. Tinha 10 anos de idade.

A história do menino que não realizou seu sonho por não ter crescido, infelizmente, não é exceção. Como ele, cerca de outras 50 mil crianças, jovens e adultos, morrem vítimas de assassinato todos os anos no País, brancos e negros. Mas negros, como Joel, morrem em proporção muito maior. E o pior: a diferença tem aumentado nos últimos anos. Em 2002, foram assassinados 46% mais negros do que brancos. Em 2008, a porcentagem atingiu 103%. Ou, em outras palavras, para cada três mortos, dois tinham a pele escura. Quem maneja os dados preliminares de 2009 diz que a situação piorou ainda mais.

Não bastasse, os crescentes investimentos em segurança pública feita pelos estados e pela União parecem ter beneficiado, como de costume, a “elite branca”, como definiu o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo. Entre 2002 e 2008, o número de brancos assassinados caiu 22,3%. A morte de negros cresceu em proporção semelhante: os índices foram 20% maiores, em média. Em algumas unidades da federação, os números se aproximam de características de extermínio: na Paraíba, campeã dessa triste estatística, são mortos 1.083% (isso mesmo) mais negros do que brancos. Em Alagoas, 974% mais. E na Bahia, a terra do menino Joel, os assassinatos de negros superam em 439,8% os de brancos.

Até mesmo entre os suicidas os negros mortos superaram os brancos. Houve crescimento de 8,6% nos suicídios de cidadãos brancos, mas, entre os negros, os que tiraram a própria vida aumentaram 51,3%.

Os critérios utilizados para definir a “cor” das vítimas de violência são os mesmos do censo do IBGE. Nos atestados de óbito do Brasil, a partir de 1996, mais notadamente desde 2002, passaram a ser apontadas as características físicas dos mortos. Foram considerados no estudo todos os classificados como “pardos”, “pretos” e “negros” para chegar a esses números que assustam, em um País onde, como alguns insistem em dizer, principalmente nestes dias de carnaval, “não existe racismo”. Os passistas, puxadores de samba e operários das escolas de samba, que serão saudados como exemplos do “congraçamento de raças” são os mais propensos a perder a vida, sem confete, sem serpentina e em alguma esquina escura da periferia.
Surpreende que os indicadores tenham piorado mesmo com as políticas de ação afirmativa promovidas pelo governo Lula desde 2002 e com a melhora nos índices de Desenvolvimento Humano no Nordeste, região em que a violência mais cresceu, segundo os dados oficiais.

Obviamente, a desigualdade é um dos fatores a explicar esse abismo. Quanto mais um país enriquece e proporciona condições semelhantes a seus cidadãos, mais a criminalidade tende a diminuir. Mas ela não é o único fator a ser levado em conta. O Brasil experimentou um bom crescimento da economia nos últimos anos, associado a uma maior distribuição de renda. Mesmo assim, a melhora nos números de violência tem sido pontual, quando não cresce, a depender da localidade analisada. “A ineficácia das instituições de coerção também tem um peso importante no estado das coisas”, diz o cientista político José Maria Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.

Sobre a incrível curva ascendente dos homicídios em seu estado natal, sobretudo no Maranhão, que já foi o mais tranquilo e em dez anos quadruplicou os assassinatos, Nóbrega é partidário da mesma teoria de vários de seus colegas estudiosos da violência: como ampliou-se o cerco nas maiores capitais do País – Rio e São Paulo, onde diminuíram os homicídios –, o foco da criminalidade deslocou-se para as cidades menores e para outras regiões. “A violência não migrou apenas do Sudeste para o Nordeste, mas das áreas metropolitanas para o interior. A Paraíba é uma exceção, porque ainda não se aplicaram políticas sérias contra o crime na capital.”
O resultado é que tanto em João Pessoa quanto em municípios menores os índices explodiram nos últimos anos. No Mapa da Violência, a capital paraibana aparece como a quarta onde os homicídios mais cresceram entre 1998 e 2008. Mas um município como Bayeux, na região metropolitana, com cerca de 95 mil habitantes, teve 84 assassinatos por 100 mil habitantes em 2009, um índice “avassalador”, segundo Nóbrega, comparado à média nacional, de 26,4 homicídios anuais.

Nas páginas policiais dos jornais, volta e meia aparecem notícias sobre a descoberta de grupos criminosos originários do Sul e Sudeste. Há duas semanas, a Polícia Federal desarticulou, em Salgueiro, Pernambuco, uma quadrilha ligada ao PCC paulista instalada em pleno sertão. Ao todo, 13 suspeitos foram presos. O esquema consistia em importar drogas de São Paulo e, a partir da pequena Salgueiro, com 52 mil habitantes, redistribuir para a Bahia, Pernambuco e Piauí.
“Os criminosos seguem táticas de guerrilha”, explica o sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, que estuda a violência no Brasil há 15 anos e é o autor do Mapa da Violência. “Lembra-se daquela cena dos traficantes fugindo para o mato quando a polícia ocupou o Morro do Alemão? Então, o crime só parte para o confronto quando possui superioridade numérica. Quando tem minoria, submerge. Como em algumas capitais eles ficaram em situação de inferioridade, migraram para outras.”

Para o caso da mortandade dos negros mais especificamente, Waiselfisz levanta duas hipóteses. A primeira delas, compartilhada por diversos especialistas, é que acontece com a segurança o mesmo ocorrido com a educação e a saúde: a privatização. Assim como quem possui condições financeiras vai a escolas particula-res, tem plano de saúde e por isso acesso a melhores hospitais, também se protege melhor do crime quem tem mais dinheiro. As guaritas, grades, carros blindados, os filhos com celular e os seguranças privados (em geral policiais fazendo bicos) protegem da violência as classes sociais mais altas e mais brancas.

Se essa é uma causa, digamos, privada, a outra razão é de responsabilidade direta do poder público.

“Tudo indica que as políticas que estamos desenvolvendo desde 2002 no setor de segurança, em muitos estados, se dirigem fundamentalmente aos setores mais abastados da sociedade”, critica o sociólogo. “Se a maioria dos negros é pobre, é óbvio que não serão beneficiados.”

Realmente, o problema no Brasil não parece ser a escassez de investimentos, mas a sua aplicação. No ano passado, os governos municipais investiram cerca de 2 bilhões de reais no setor, segundo cálculos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum, reforça a tese da assimetria: “Os investimentos historicamente ficaram concentrados nas capitais e regiões metropolitanas. Com o crescimento das cidades do interior, era natural que os índices de violência aumentassem. Mas eles só atingiram esse patamar tão elevado porque os municípios não estavam preparados para o problema”.

O caso de Salvador corrobora a opinião de Waiselfisz. Uma análise das chamadas Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp), criadas em 2009, leva à impressão de que se tem na capital baiana um verdadeiro apartheid por bairro, em termos da relação entre o número de policiais e habitantes. Enquanto os bairros onde moram os mais ricos, como a Barra e a Graça, possuem a proporção de um policial para cada 200 habitantes, bairros mais populares, como Liberdade e Pirajá, têm um policial para cada 2,1 mil habitantes.

Há algo mais grave, segundo Carlos Alberto da Costa Gomes, coordenador do Observatório de Violência da Bahia e professor de Desenvolvimento Urbano na Universidade de Salvador. “O policiamento na capital da Bahia é centrado em viaturas. Isso, na cidade oficial, que tem ruas, é eficiente. Mas, no que chamo de ‘cidade informal’, onde moram 70% dos soteropolitanos, as viaturas não chegam, o acesso é difícil a automóveis. Isto favorece o surgimento de enclaves propícios à criminalidade. E, é claro, a maioria dos que vivem neles é negra.”

Agora, em virtude do carnaval em Salvador, espanta-se Costa Gomes, o governo estadual prometeu deslocar 23 mil policiais para salvaguardar a folia. Sendo o efetivo total no estado de 33 mil policiais militares e 6 mil civis, não são poucos os que se perguntam: como fica o restante da sociedade? “Todo o efetivo policial vai ser colocado a serviço de algo no qual quem lucra é o empresário, a iniciativa privada”, afirma Gomes. “Não sou contra o carnaval, mas estamos mesmo adotando o modelo correto?”

Junta-se aos assassinatos em brigas de grupos rivais, dívidas de tráfico ou vinganças a ocorrência da violência policial, de que também são vítimas uma maioria de negros. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a proporção de pretos e pardos mortos pela polícia é maior do que na população em geral.

A socióloga Luiza Bairros, ministra da Igualdade Racial, opina que o problema começa na forma como os policiais são treinados para enxergar o negro. “A imagem utilizada para compor o criminoso é calcada na pessoa negra, mais especificamente no homem negro. O negro foi caracterizado como perigoso em estudos de criminologia e o lugar onde ele mora é visto como suspeito. É automaticamente enquadrado nas três possibilidades de construção da suspeição: lugar, características físicas e atitude. Ou seja, como o racismo institucional existe, acaba moldando o comportamento de boa parte da corporação.”

Em São Paulo, em abril do ano passado, o motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, de 30 anos, foi espancado até a morte no 9º Batalhão da PM, no bairro da Casa Verde. Havia sido detido, ao lado de outros dois suspeitos, para investigação de um furto de bicicleta. Para ocultar o crime, os policiais abandonaram o corpo de Santos a duas quadras do batalhão. Depois, o levaram já morto a um hospital e registraram um boletim de ocorrência falso, como se o motoboy tivesse sido encontrado na rua inconsciente, mas ainda com vida. O Ministério Público denunciou 12 PMs pelo homicídio. A Ouvidoria da Polícia não descarta a possibilidade de as agressões terem sido motivadas por preconceito racial.

“O motoboy era um negro próximo do local onde uma bicicleta foi furtada, logo um suspeito em potencial para a polícia”, afirma o ouvidor da polícia, Luiz Gonzaga Dantas. “Infelizmente, muitos policiais ainda se portam como verdadeiros capitães do mato dos tempos da escravidão. O negro, pobre e marginalizado, é sempre visto como suspeito e rotineiramente é vítima de abordagens truculentas.”

Apenas no ano passado, a polícia paulista matou 495 indivíduos. O número é menor que a média registrada em 2009, quando 524 foram mortos em operações policiais, mas não há motivo para comemoração. “Trata-se de um índice de letalidade altíssimo, um dos maiores do mundo. E devemos recordar que, em 2008, o número de homicídios cometidos pela polícia era bem menor, 371”, comenta Dantas. “Não concluímos o levantamento, mas posso garantir que a grande maioria das vítimas tem o mesmo perfil: homem, jovem, negro e pobre.”

A ministra da Igualdade Racial lembra que sempre houve, dentro do movimento negro, muitos policiais que conseguem entender o racismo institucionalizado e que lutam contra ele. “Em todos os países onde isso mudou, como na Inglaterra, foi porque houve ação e organização dos policiais negros. Se o movimento é criado dentro da corporação tem maior legitimidade.”

Para Luiza Bairros, a política de cotas não foi suficiente para diminuir os índices de criminalidade entre a população negra porque atinge apenas a parcela que conseguiu concluir o ensino médio. E em termos populacionais, a parcela incapaz de concluí-lo é muito maior. “Existe um fenômeno nas cidades de diminuição das matrículas no ensino fundamental nos turnos vespertino e noturno. E as pessoas fora da escola são exatamente o contingente mais atingido pela criminalidade”, afirma a ministra. “Por isso, acho oportuno que o governo fortaleça agora o ensino médio e profissionalizante.”

É possível, no entanto, que para reduzir os homicídios de negros as políticas de ação afirmativa na área da educação precisem, de alguma forma, ser reproduzidas na segurança pública. Os especialistas criticam o foco na investigação do crime já ocorrido, em vez de, estrategicamente, analisar os locais que favorecem o seu surgimento e agir preventivamente. A solução mais consagrada atualmente é o policiamento comunitário, inspirado nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. As UPPs estimulam a criação de laços com a comunidade do local protegido e aumentam a confiança dos moradores na polícia, o que pode diminuir a antiga relação de conflito com a população negra. É preciso também acabar com a sensação generalizada de impunidade.

A propósito, a bala que matou o menino negro Joel, concluiu em janeiro o inquérito feito pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia, saiu da arma de um policial. A única punição para os nove envolvidos, até o momento, foi o afastamento de operações nas ruas. Passaram a fazer trabalhos internos na PM, mas podem voltar a “proteger” os baianos em 60 dias. Inclusive o soldado Eraldo Meneses Souza, autor do disparo.

* Colaboraram Manuca Ferreira, de Salvador, e Rodrigo Martins, de São Paulo

Liberdade ao Gegê!


Nos dias 4 e 5 de abril, o líder do Movimento de Moradia do Centro (MMC), Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, deve ir a júri popular. O julgamento estava marcado para 16 e 17 de setembro de 2010, mas não se concretizou. Representante do Ministério Público de São Paulo, responsável pela acusação, no próprio dia se recusou a realizar o julgamento, justificando que desconhecia o conteúdo de todas as provas apresentadas pela defesa. Tal posição foi aceita pela juíza e a data foi remarcada para abril.

A não realização do Tribunal do Júri naquele momento pôde se reverter em uma conquista importante. Como contrapartida ao adiamento do julgamento, a juíza deferiu o pedido da defesa e colocou fim a ordem de prisão expedida contra o líder, em vigor até aquele momento.


A experiência vivida por Gegê, que se inicia nas primeiras investigações de um crime do qual é injustamente acusado, reforça algumas lições. Uma delas é o uso do aparato policial e judicial por parte de forças conservadoras para desarticular movimentos populares reivindicatórios de direitos.


Neste sentido, o uso político do direito é evidente. Diante deste cenário, a mobilização para o próximo julgamento é de vital importância, não para a resolução de um caso pessoal isolado, mas pelo contrário, para o fortalecimento das lutas populares. Para tanto é preciso evitar o avanço do conservadorismo, que hoje criminaliza as lutadoras e lutadores do povo, criminalizando a própria luta.


Os fatos


No dia 18 de agosto de 2002 ocorreu um homicídio em um dos acampamentos do Movimento de Moradia no Centro de São Paulo (MMC), entidade filiada à Central de Movimentos Populares (CMP).


De tudo o que foi apurado, tem-se notícia de que a discórdia surgida entre o autor dos fatos (ainda não procurado e investigado) e a vítima surgiu pouco antes do fatídico acontecimento, no qual a vítima (que residia no acampamento) teria ofendido o autor do crime (visitante e não residente no acampamento), que para vingar-se das ofensas sofridas, acabou por tirar-lhe a vida. Vale esclarecer que ambos não participavam da organização do acampamento e eram estranhos à luta do movimento de moradia do centro.


Este conflito nada teve a ver com as reivindicações do MMC e a dinâmica interna do acampamento, mas foi aproveitado para incriminar e afastar do local a organização deste movimento e o apoio às famílias acampadas.


O acampamento era localizado na Vila Carioca, na Avenida Presidente Wilson. As famílias integrantes da ocupação, em sua grande maioria, eram oriundas do despejo de um prédio, pertencente ao então falido Banco Nacional, na Rua Líbero Badaró, n. 89, no centro da capital paulista. Essa remoção para a nova área fora autorizada pelo Governo do Estado, em negociações que envolveram o então governador Mário Covas.


Gegê participou diretamente da negociação para que as famílias despejadas pudessem ter moradia digna. Enquanto ela não viesse, as famílias se manteriam acampadas e organizadas, como em qualquer outra ocupação. Conhecido por sua combatividade e luta não só no centro de São Paulo, mas em todo o Brasil, ele sofreu diversas ameaças pessoais. A própria vida de Gegê era constantemente alvo de ameaças.


Dois anos depois do crime, Gegê foi preso por mais de 50 dias. Após ser solto, em decisão de Habeas Corpus, sofreu uma prolongada situação de instabilidade e insegurança, na qual diversos pedidos de liberdade eram concedidos para, momentos depois, serem repentinamente revogados.


Tanto nos autos do inquérito policial instaurado no 17º Distrito Policial, no Ipiranga, quanto nos autos do processo penal em andamento, o autor do homicídio (já conhecido e identificado) nunca foi investigado, preso ou procurado. O inquérito policial acabou sendo maculado por manipulações e falsos testemunhos por parte dos que intencionavam incriminar Gegê.




Sobre Gegê


Gegê tem um longo histórico de militância social e sindical. Ele foi um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do PT e de movimentos de moradia. A Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), do Movimento de Moradia do Centro (MMC), da União dos Movimentos de Moradia do Fórum Nacional de Reforma Urbana e a Central de Movimentos Populares (CMP) estão entre as organizações que contaram com a participação do líder.




Comitê Lutar Não é Crime





Sobre o Comitê



O comitê Lutar Não É Crime propõe uma Campanha Nacional pelo fim da criminalização dos lutadores e lutadoras do povo. Conclamamos todos os movimentos sociais e populares, da cidade e do campo, a desencadearem uma ofensiva pela criação de comitês nos estados que somem forças à essa luta.


Blog: http://lutarnaoecrime.blogspot.com


Contatos:
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